Plano Diretor e a participação popular

No início da semana passada foi aprovada a revisão do novo Plano Diretor da cidade de São Paulo. Não sou especialista no assunto, também não tenho dados para discutir o que vai melhorar ou o que vai piorar (o mesmo vale para Curitiba, onde moro, mas aqui é um assunto que vou aos poucos tomando conhecimento). Li vários artigos a respeito, a maioria criticando e alguns comparando críticas e elogios – lista dos artigos no final do texto.

Bruna Buffara, no seu texto na edição de sábado último no Meio, começa com uma informação e sua conclusão:

“As eleições municipais de 2020 já refletem o quanto a questão urbana mobiliza, inclusive pecuniariamente, a política da cidade. Dados da Justiça Eleitoral analisados pela Folha mostram que pessoas do setor imobiliário doaram (Folha de SP) 46% do total arrecadado para os atuais vereadores. Foram R$2,8 milhões de reais doados por apenas 150 empresários e executivos do ramo. Todos esses recursos foram repassados dentro da lei e contabilizados pelos partidos, mas permitem estimar um ambiente muito mais favorável ao setor imobiliário na Câmara.”

Ela informa, com dados da matéria da Folha (link no meio do texto acima) que 46% do total arrecadado para os atuais vereadores na campanha para a última eleição foram de empresários e executivos do ramo imobiliário. E ela conclui que esse fato já se reflete na discussão das questões urbanas e na aprovação das mudanças no plano diretor.

Como já mencionei, não sou especialista na questão, então eu já paro por aqui, ou seja, sigo para as minhas conclusões:

  1. a eleição de vereadores não pode ter campanha e doações. Se houver campanha tem que usar recursos gratuitos ou iqualitários para todos os candidatos. mas mesmo assim ainda existiriam formas de persuasão e apoio a candidatos por parte dos interessados nas discussões das leis;
  2. a escolha de candidatos deve ser realizada em votação nos partidos políticos, onde concorram quaisquer interessados e todos os filiados ao partido votem. mesmo assim ainda haverá formas de persuasão e apoio a pré-candidatos por parte dos interessados nas discussões das leis;
  3. para não termos formas de persuasão e apoio a pré-candidatos por parte dos interessados nas discussões das leis, pelo menos não em profusão, temos que eliminar as alternativas 1 e 2;
  4. eliminadas as duas primeiras, pode-se escolher os vereadores por sorteio, com mandato mais curto, 1 ano por exemplo, entre quaisquer interessados que se inscrevam, com distribuição das vagas para todas as regiões/bairros/comunidades (*) da cidade. Os escolhidos só podem voltar a se candidatar após decorridos 3 anos do final do mandato. Já há cidades em outros países com este processo, trago isso aqui na sequência deste texto.

(*) divisão geográfica a ser criada.

Mas e as discussões mais complexas que exijam pessoas mais preparadas sobre a questão? Pessoas com mais experiência, como os vereadores com vários mandatos já concluídos? Se você pensa que os vereadores da Câmara da sua cidade têm essa preparação e essa experiência vá verificar e depois me conte. A experiência está com quem vive a questão e com quem estuda a questão – são experiências diferentes, e nem sempre, é o caso de vereadores. Ou seja, as discussões têm que ser ouvindo as opiniões destas pessoas, que via de regra não estão na Câmara.

Mas questões tão importantes não podem ser discutidas somente entre vereadores e entre pessoas com conhecimento no assunto, têm que ser discutidas com a população. Atualmente quando se pensa nisso as alternativas são: consulta pública, referendo e plebiscito. O referendo e o plebiscito tem o mesmo formato, uma votação a favor ou contra determinada matéria de iniciativa legislativa ou executiva, sendo a diferença apenas temporal – o plebiscito ocorre antes da efetivação e o referendo depois. Estas votações geralmente são precedidas por campanhas a favor e contra o que permite muitoas formas de persuasão e apoio por parte dos interessados nas discussões das medidas (vide o plebiscito do Brexit no Reino Unido).

As consultas públicas do governo federal são realizadas na Plataforma Participa + Brasil, onde qualquer pessoa pode opinar através de texto enviado por formulário eletrônico. O que configura que a consulta não é uma discussão. Não busquei as consultas públicas dos governos estadual e municipal – fica para a continuação deste assunto. Para melhorar este ponto, há também as audiências públicas, que servem para o legislativo ter mais conhecimento sobre uma matéria que está em discussão. Que são reuniões agendadas na sede do poder legislativo e cuja duração (meio dia ou um dia inteiro) faz com que as apresentações de pontos de vista sejam ocupadas por interessados diretos ou indiretos, geralmente empresas e associações empresariais, e pesquisadores do assunto. O que leva a questão para o escrevi mais acima.

Assim, concluo que novos métodos utilizando as tecnologias digitais precisam ser criados permitindo uma discussão mais ampla e menos emocional das questões pela população. Métodos que permitam a participação mais ativa. O ponto aqui é que para esta participação seja mais ativa a população precisa estar mais informada, e esse é o grande desafio para o futuro das democracias no mundo. Há muito mais informação e desinformação à vista do que no passado mas as pessoas ainda não estão educadas o suficiente para tratar estas informações, falta o que chamamos de alfabetização informacional. Vou escrever sobre isso e as novas formas de discussão e votações em meios digitais na sequência deste texto.

Enquanto isso a questão do Plano Diretor da cidade de São Paulo fica para verificação futura de quem acertou nas previsões.

Artigos lidos:

Novo Plano Diretor atende quem usa metrô, mas só na cidade de Paris. Flávia Boggio, Folha de SP, 28/JUN

O efeito prático do novo Plano Diretor na vida do paulistano. Nexo Jornal, Ponto futuro, 25/JUN

SÃO PAULO E OS DILEMAS DO CRESCIMENTO. Bruna Buffara, Canal Meio, Edição de sábado (A edição de sábado só está disponível para assinantes), 01/JUL. https://www.canalmeio.com.br/

Metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo veio do setor imobiliário. Carlos Petrocilo/Cristiano Martins/Jonas Santana/Paula Soprana. Folha de SP, 21/JUN

Câmara de SP aprova Plano Diretor que permite prédios mais altos… PODER360, 26/JUN

‘Radicalizaram-se os pontos críticos de 2014’, André Lucena, entrevista com Raquel Rolnik, CartaCapital, 27/JUN Raquel Rolnik: Blog Twitter

Número de imóveis vazios explode em 12 anos no país, Nexo Jornal, 28/JUN


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