O professor e os outros

Estou voltando a escrever depois um longas férias de verão e um atribulado outono. Hoje publiquei artigo no LinkedIn no tema do meu primeiro livro, Sociedade 5.0, escrito junto com o Marcos José Ribeiro (de Curitiba). No preâmbulo do artigo comentei que agora que estou aposentado, neste ano, tirei férias prolongadas de dois meses. Sim, férias, porque embora aposentado eu não estou sem fazer nada. E como fui professor a vida toda, pesquisador acadêmico e desenvolvedor de programas de computador, ou Dev como se diz agora, eu continuo pesquisando, lendo, escrevendo, orientando alunos e escrevendo códigos. Tento manter o máximo de 3 horas por dia, atualmente pela manhã. De manhã ficou melhor porque agora eu durmo cedo e acordo cedo, bem cedo e sem despertador. Estas férias não foram totalmente inertes (no bom sentido) porque começamos a escrever o livro no meio das férias. Já o atribulado outono foi por conta de uma pneumonia que me deixou inerte (no mau sentido) em boa parte de março e da finalização do livro que foi tomando mais tempo e esforço a medida que nos aproximávamos do prazo de entrega. Lançamos o livro digital no último dia 22 na Amazon e o livro impresso será lançado nas próximas semanas.

O ponto é que muita gente pensa que os professores têm férias de dois meses ou mais. Dois meses porque as aulas terminam em meados de dezembro e retornam em meados de fevereiro. E mais o recesso de vintes dias em julho. Então se você, leitor, não é professor fique sabendo que os professores são trabalhadores com todos os outros, com algumas peculiaridades devido ao trabalho na atividade docente em sala de aula. O professor tem direito aos 30 dias de férias como os outros, mas não pode fracionar em períodos de 10 dias como os outros. E o professor tem direito a um recesso de 15 a 30 dias, que não é férias porque não tem a remuneração adicional. Então o professor tem as férias coletivas, geralmente em janeiro, e mais o recesso em torno de 20 dias em julho, que é o intervalo entre um semestre e outro. Esse intervalo serve tanto para um alívio no ritmo de trabalho quanto para a administração das matrículas no caso das universidades.

E o período entre o final das aulas e o final do ano (15 a 20 dias) e entre janeiro e o início das aulas (15 a 20 dias)? No final do período há todo o trabalho administrativo de encerramento de turmas e relatórios da escola, e depois as festas de final de ano como os outros. E em fevereiro há o trabalho de organização das aulas e horários e planejamento – planos de ensino, planos de aulas, etc.

Mas então o trabalho do professor exige um recesso porque ele está em sala de aula de 12 a 20 horas por semana o que o desgasta mais física e psíquicamente? Sim, mas não é só isso. O professor desde sempre é um trabalhador que ao mesmo tempo que gosta do que faz (condição quase que obrigatória para ser professor) também é um pouco imbecil, pois leva muito trabalho para casa. É em casa que o professor pensa as suas aulas, prepara a maior parte do material das aulas, corrige a maior parte dos trabalhos e provas. E o professor não ganha mais por isso, por isso o pouco de imbecilidade. Fazer suas leituras em casa não é diferente dos outros profissionais, exceto pelo fato de que o professor lê muito e a maioria dos outros profissionais lê pouco ou muito pouco ou nada!

Para o professor pesquisador a situação piora um pouco, porque tem que dividir seu tempo entre aulas, orientação e pesquisa. Projetos de pesquisa exigem uma demanda de tempo adicional, pois geralmente envolvem outro grupo de alunos ou, em muitos casos, bolsistas e contratados especificamente para o projeto. E se o professor não tiver um grupo de pesquisa, um líder de equipe do projeto ou uma espécie de Sub-coordenador, geralmente um aluno de doutorado, ficará praticamente impossível executar um projeto de maior magnitude – não vou nem entrar aqui na questão das dificuldades de financiamento de pesquisas no Brasil, fora do escopo deste texto. Eu trabalhei 36 anos na Universidade Federal do Paraná (1982-2018). Destes 36, os últimos 19 anos em pesquisa (depois que concluí meu doutorado e passei a trabalhar em tempo integral na universidade) (*), coliderando um grupo de pesquisa, e coordenei 15 projetos de pesquisa sendo 10 com financiamento de agências de fomento – sei bem como é essa situação. E ainda tem os projetos de extensão, todos com alunos bolsistas ou voluntários. A maioria dos professores não faz projetos de extensão, pois além do tempo adicional, não têm o mesmo status dos projetos de pesquisa (Aqui um parênteses, esta situação está mudando, pois uma normativa do MEC exige que os cursos coloquem agora as atividades de extensão na carga horária das disciplinas, isto porque tentativas anteriores de aumentar a extensão universitária falharam, e a extensão é um dos pilares da universidade que queira realmente se inserir na sociedade). Eu participei ou coordenei 9 projetos de extensão no mesmo período de 19 anos. Outro ponto que os projetos impactam é nas férias, muitos projetos são de curta duração, 12 meses, e não podem parar nas férias, e outros tantos têm seus prazos de conclusão, com relatório a ser entregue para o órgão financiador, nos primeiros meses do ano.

(*) Na verdade, nos primeiros anos, entre 1982 e 1987, também trabalhei com pesquisa, mas como não tínhamos curso de mestrado ou doutorado executávamos os projetos coletivamente (4 professores) e com ajuda de alunos de graduação do Programa PET-Civil da UFPR, criado em 1983. Neste período tivemos somente um projeto de maior porte, com financiamento, contando com bolsistas, quando compramos os primeiros computadores para o nosso laboratório.

Até algum tempo atrás a profissão de professor era considerada juridicamente uma profissão “penosa”, com alguns direitos e ganhos adicionais, que hoje não existem mais. Profissões penosas são aquelas com atividades insalubres ou perigosas. Mas, pelo exposto acima, a aposentadoria de professor permanece sendo considerada especial. Até 2019 todos os professores tinham direito a uma aposentadoria especial de professor, com idade mínima menor que os outros. Agora somente os professores das redes de ensino infantil, fundamental e médio têm este direito. Os professores de ensino superior seguem as regras dos demais trabalhadores.

Concluindo, já cancelei várias pessoas que afirmaram que professor não trabalha três meses por ano.


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